FS Internacional: Nojento para quem?

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    ‘Museu das Comidas Nojentas’ aberto na Suécia tem como um de seus objetivos tornar as pessoas mais abertas aos alimentos sustentáveis do futuro

    Nojo. Substantivo masculino cujo significado no dicionário é “asco; repulsa por algo desagradável; repugnância em relação a alguma coisa que faz com que alguém não queira estar perto dela”. Certo? Não para os estrangeiros Samuel West, psicólogo e pesquisador, e Andreas Ahrens, economista e tecnólogo. A dupla é a responsável pelo ‘The Disgusting Food Museum’. Em português, ‘O Museu das Comidas Nojentas’.

    A exposição, aberta desde o dia 31 outubro de 2018 em Malmö, na Suécia, é dedicada às comidas mais exóticas e, por que não, nojentas do mundo, e funciona na Slagthuset, tradicional casa de eventos onde também há uma loja do museu em que os visitantes encontram uma seleção bastante incomum de bebidas e lanches, além de um restaurante.

    Ahrens é o diretor do museu e West, também idealizador da famosa exposição ‘Museu do Fracasso’, o curador. “O Disgusting Food Museum é autêntico. Nós exibimos alimentos reais e alguns podem até ser cheirados e provados. É uma experiência educativa e divertida”, garante West.

    A exposição é composta por cerca de 80 exemplares de alimentos classificados como os mais nojentos do mundo. Quem visita o museu pode olhar, cheirar e até provar algumas das iguarias, como ovos centenários, portanto, apodrecidos, da China; o Stinky Tofu, o queijo mais fedido do mundo; cabeças apimentadas de coelho; vinho chinês fabricado com filhotes de rato; a Durian, a fruta mais fedorenta da Tailândia; outros vinhos feitos com pênis de veado, foca; queijo de cabrito chamado Su Callu Sardu e que tem sabor parecido com o de gasolina e amônia misturado com cera; o Casu marzu, queijo infestado de larvas da Sardenha; smoothies de sapo; o famoso surströmming, um peixe sueco conhecido como a comida mais fedorenta do mundo; suco de olho de ovelha, e por aí vão as particularidades desse inusitado museu.

    Casu-Marzu
    Casu marzu, queijo infestado de larvas da Sardenha

    O ‘The Disgusting Food Museum’ fica aberto ao público de quarta a domingo e a entrada custa dezoito euros, algo em torno de R$ 75, mas crianças acompanhadas de adultos não pagam, e estudantes têm desconto de quatro euros. Desde a inauguração, 7000 visitantes já haviam passado pela exposição até a primeira quinzena de janeiro deste ano, conforme Ahrens.

    Também segundo o diretor do museu, atualmente, há duas versões de exposição de comidas nojentas no mundo, sendo a outra em Los Angeles, nos Estados Unidos. Porém, ele afirma que a da “Suécia é a primeira e original exposição”.

    Para West e Ahrens, a comida é muito mais do que apenas sustento, e o significado de nojo é algo subjetivo, principalmente quando relacionado às diferenças entre as culturas. “O que é mais repugnante, comer um porquinho da Índia ou um porco normal? Há realmente alguma diferença? O museu tem como objetivo mudar nossa visão do que é repugnante ou não. Espero que isso nos torne mais abertos aos alimentos sustentáveis do futuro”, diz West.

    Ahrens complementa que o propósito da exposição “é fazer as pessoas pensarem de forma diferente sobre comida e sobre as fontes de proteína que comem. Temos que mudar para fontes de proteína ambientalmente mais saudáveis, como carne e insetos cultivados em laboratório. Também queremos que os visitantes reflitam sobre o nojo e não sejam tão rápidos em julgar a comida de outras culturas como repugnante. Cada item que temos na exposição é um alimento comumente comido em algum lugar”, explica.

    Idealização e criação

    A ideia do ‘The Disgusting Food Museum’ surgiu a partir do aprendizado adquirido por West por meio da grande repercussão que o seu trabalho com o ‘Museu do Fracasso’ obteve em 2017. “Quando abri o ‘Museu do Fracasso’, fiquei impressionado com o impacto que teve. Se uma simples e divertida exposição poderia mudar a atitude das pessoas em relação ao fracasso, quais outras exposições poderiam provocar mudanças? Nossa atual produção de carne é terrivelmente insustentável em termos ambientais e precisamos, urgentemente, começar a considerar alternativas. Mas muitas pessoas estão revoltadas com a ideia de comer insetos e céticas sobre carne cultivada em laboratório, e tudo se resume a nojo. Se podemos mudar nossas noções de que comida é repugnante ou não, podemos, potencialmente, ajudar nessa transição para fontes de proteína mais sustentáveis”, argumenta o curador.

    Ahrens conta que foi convidado por West para participar do projeto e, de imediato, sentiu que precisava ajudá-lo nessa empreitada. “West é um velho amigo meu e estou acostumado a ouvir suas ideias malucas. Mas, nesse caso, foi diferente. Eu sabia que tinha que fazer parte disso! Eu queria uma mudança do meu trabalho na área de tecnologia industrial e senti que eu poderia fazer uma mudança significativa trabalhando na exposição. Nós desenvolvemos o conceito em conjunto, juntamente com uma pequena equipe de pesquisadores, designers gráficos e estagiários. A pesquisa foi extensa e envolvemos a universidade de Lund nesse trabalho”, partilha.

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    A exposição funciona na Slagthuset, tradicional casa de eventos onde também há uma loja do
    museu em que os visitantes encontram uma seleção bastante incomum de bebidas e lanches

    Ainda segundo o diretor do museu, o processo de obtenção dos alimentos exóticos foi a parte mais difícil para a concretização da exposição, assim como a etapa mais onerosa. “A obtenção de alimentos incomuns foi e ainda é um enorme desafio. Vocês deveriam ver a conta do meu cartão de crédito. Eu pedi coisas de todo o mundo”, salienta.

    A maioria dos 80 alimentos exóticos que fazem parte do acervo do museu é comida de verdade. No entanto, também há réplicas e, alguns itens, os idealizadores preferiram exibi-los apenas por meio de vídeos. “Minha experiência em tecnologia tem sido muito útil na criação da exposição, especialmente quando se trata de coisas interativas. Muitos dos alimentos reais são cheirados e alguns dos alimentos estão disponíveis para degustação. Nós temos, ainda, seção especial para queijo, que nós chamamos de ‘O altar do Queijo Stinky’. O mais fedido é o Vieux Boulogne, da França”, detalha Ahrens.

    Organização e destaques

    O acervo do ‘The Disgusting Food Museum’ é organizado por meio de três critérios estabelecidos pelos próprios idealizadores West e Ahrens. A dupla divulgou que, para fazer parte da exposição, “os alimentos têm que ser realmente degustados hoje por alguém ou ter importância histórica em algum lugar no mundo. Então, não há sorvete com sabor de bacon ou outro alimento puramente bizarro ou sabores estranhos. Em segundo, os alimentos precisam ser considerados nojentos por muitas pessoas. O nojo é subjetivo, então, esse critério é de necessidade também subjetiva. E, em terceiro, o alimento precisa ser interessante ou divertido. Por exemplo, a fruta Stinky Toe da Jamaica não é muito para olhar, mas o nome é engraçado”, consta no release de apresentação do museu.

    Para o diretor Ahrens, os grandes atrativos da exposição são “Balut, fetos de pato parcialmente cozidos dentro do ovo e comidos diretamente da casca. Eu experimentei, pela primeira vez, quando eu morava nas Filipinas, onde é uma comum comida de rua. Eu também adoro o Casu Marzu, pecorino da Sardenha que é infestado por larvas de mosca de queijo. As pequenas larvas podem pular até 15cm. Então, você tem que cobrir os olhos quando for comer”, ressalta.

    Já West acredita que o destaque do museu é o “tubarão islandês. O cheiro é indescritivelmente desagradável, cheira a morte e amônia. É impossível comer sem uma grande dose de schnapps islandês da Morte Negra. O Haggis, o infame prato nacional da Escócia feito de coração de ovelha, fígado e pulmões, também é interessante”, afirma o curador.

    Legado

    Apesar de ter prazo de validade, West e Ahrens acreditam que o legado do ‘The Disgusting Food Museum’ terá grande importância, inclusive, no que diz respeito à mudança do que, realmente, é nojento.

    “O nojo é cultural. Nós gostamos dos alimentos com os quais crescemos. O nojo é altamente individual. O pensamento de comer uma aranha faz algumas pessoas ter fome, mas faz com que outras pessoas queiram vomitar. O desgosto é contextual. Muitos consideram o leite de uma vaca menos repugnante do que o leite fresco de um amigo humano em lactação. A apresentação também faz parte desse contexto. Agora que alguns dos melhores chefs do mundo estão incluindo pratos com insetos em seus cardápios, estes podem ir de ‘eca’ para item de um jantar requintado”, analisa Ahrens.

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    Natto, grão de soja fermentado do Japão

    West concorda com o amigo e diretor do museu e confessa que ele mesmo já mudou a sua percepção do que é nojento ou não. “Nossas ideias de nojo definitivamente mudam. Quando me mudei para a Suécia, achei alcaçuz muito salgado e ruim. Mas, agora, eu amo. Ideias de nojo podem mudar com o tempo. Duzentos anos atrás, por exemplo, a lagosta era tão indesejável que só servia como alimento de prisioneiros e escravos. Hoje, a lagosta é um luxo delicioso”, alega o curador do museu.

    Ainda para West, “nojo é um sentimento de repulsa extrema em relação a certas coisas. A função evolutiva de repugnância é para nos ajudar a evitar doenças e alimentos inseguros. O nojo é um dos seis princípios fundamentais das emoções humanas e é universal entre as culturas. Nossas ideias de desgosto influenciam nossas vidas em muitos aspectos, como a escolha de alimentos, comportamento sexual e até mesmo nossa moral e leis”, expressa.

    A visita ao ‘The Disgusting Food Museum’ é indicada para qualquer tipo de pessoa, conforme seus idealizadores, que, inclusive, revelaram à reportagem da Food Service News que possuem planos de levar a exposição para outros países, incluindo o Brasil.

    “Assim como uma montanha-russa nos oferece uma experiência segura de perigo, as pessoas são fascinadas por repugnância, mas de uma distância segura. Eu acho que o museu é interessante para mais do que apenas chefs de cozinha ou pessoas que gostam de viajar e explorar o mundo. A exposição convida os visitantes a explorarem o mundo da comida e a desafiarem suas noções sobre o que é e o que não é comestível. Adoraríamos abrir mais exposições em todo o mundo e já estamos discutindo sobre alguns locais da Europa. Também gostaríamos de abrir no Brasil, que é um país lindo, com muitas pessoas. Parece um lugar perfeito para nos receber”, ressalta Ahrens.

    The Disgusting Food Museum
    www.disgustingfoodmuseum.com

     

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