Ferida na carne atinge a alma do negócio

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    Em entrevista exclusiva para a Food Service News, Rogério da Costa Vieira, vice-presidente da Aberc, destaca os impactos da alta do preço da carne no mercado de alimentação

    Em entrevista exclusiva para a Food Service News, Rogério da Costa Vieira, vice-presidente da Aberc, destaca os impactos da alta do preço da carne no mercado de alimentação

    O aumento do preço da carne impactou o mercado de alimentação de diferentes formas. Rogério da Costa Vieira, vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Refeições Coletivas (Aberc), presidente da Federação Nacional das Empresas de Refeições Coletivas (FENERC), vice-presidente da Confederação Nacional do Turismo (CNTur), diretor geral da Massima Alimentação e diretor geral do Restaurante Le Bistro, destaca pontos importantes do assunto nesta entrevista. Acompanhe!

    Food Service News: Como a Aberc enxerga a alta do preço da carne?

    Rogério da Costa Vieira: A Aberc representa as empresas que atuam no mercado de alimentação das mais variadas coletividades de brasileiros, alimentando mais de 22 milhões de pessoas, em todos os subsegmentos da alimentação social.
    O hábito de consumo de proteína animal do brasileiro é muito grande, aquilo que chamamos de mistura. Isso é cultural, é um hábito muito forte e que traduz uma demanda proteica na composição diária da ração de cada indivíduo.
    Portanto, quando analisamos o aumento de preço da carne, isso envolve toda a cadeia proteica, inclusive ovos e o próprio bem-estar dos brasileiros.
    Para a nossa atividade, que tem seus preços fixados por 12 meses, com poucas condições de revisão, qualquer elevação de custos fora do que estimamos com aumento proveniente da inflação já é um grande impacto nos resultados.
    Para o ano de 2019, a nossa previsão de aumento de custos foi de 4,05%, portanto ligeiramente superior aos 3,4% previstos como oficial, aquela que o Governo deverá divulgar como sendo oficial. O que de fato afeta e interfere no nosso negócio é quando o aumento, apesar de previsto, acontece de forma abrupta e em proporções não previstas.
    O aumento das proteínas, carnes em geral, fez com que o custo desse item na composição de um cardápio elevasse entre 27% a 35% em três meses. Claro, dependendo do corte ou mesmo da origem da proteína.

    FSN: Qual o impacto na composição de um prato de refeição?

    RCV: O choque foi muito pesado, desconsertou a todos nós.

    No quadro abaixo, isso é muito claro e evidencia o impacto, somente tomando como base o custo da carne bovina, sendo a base a arroba do boi.
    Quadro I – Aumento da arroba do boi gordo. Fonte: CEPEA

    1ª. Semana de outubro/19 – R$ 160,00
    1ª. Semana de novembro/19 – R$ 180,00
    1ª. Semana de dezembro/19 – R$ 217,00
    1ª Semana de janeiro/20 – R$ 197,00

    Ou seja, houve um aumento muito grande que, assim como um furacão, deixará um resíduo, pois dificilmente voltará à referência de R$ 160,00.
    Portanto, lembro, o nosso segmento tem características únicas e muito diferentes daquilo que é praticado no varejo para a mesma atividade de alimentação; ou seja, a recuperação é complexa e muitas vezes exige longas negociações até ser implementada e isso porque envolve um contrato formal entre duas empresas (B to B).
    É notório, portanto, que essa alta coloca em risco a sobrevivência dos contratos de fornecimento de alimentação para coletividades, que já praticam margens extremamente reduzidas.

    FSN: Como isso reflete nos negócios de alimentação?

    RCV: O custo das proteínas na composição de um prato é de algo em torno de 28% a 32%, ou seja, um aumento de 27% nesse item representa na última linha algo em torno de 7,56 a 9,60, claro dependendo dos cortes, gramagens e incidências, falando numa linguagem de custeio da nossa indústria. Portanto, é um custo danoso, uma vez que não conseguimos suportar o impacto. É bom lembrar que na média da nossa atividade econômica, uma margem líquida (bottom line) praticada não é superior a 3,8%.
    Um impacto dessa natureza claro que fere nos resultados finais de qualquer empresa e coloca em risco o seu desenvolvimento e, muitas vezes, a própria manutenção do contrato. Para entendermos, se tivéssemos ações na Bolsa, nossas ações teriam registrado perdas significativas.
    Como já dito, nossa atividade não tem espaço para absorver, em hipótese alguma, um impacto dessa natureza.
    Analisemos a seguinte situação. Temos um preço de venda de R$15 para fornecer 200 gramas de proteínas, em média. No custeio desse preço, as proteínas representam 28% na média, ou seja, R$4,20. Um aumento da ordem de 30% produz um aumento no custo final do mesmo prato, de R$1,26 que não poderá ser recuperado jamais; isso é contabilmente registrado como perda. Portanto, se as ações de recuperação não foram rápidas, o conjunto estará comprometido.

    FSN: O que pode ser feito para contornar a situação?

    RCV: Essa turbulência exige um apelo forte junto aos nossos clientes visando a salvaguarda dos consumidores finais e das empresas do segmento. Negociar tem sido a palavra de ordem.
    Portanto, é necessário atacar a crise em duas grandes frentes:

    Interna

    • Negociar fortemente com nossos fornecedores em geral e não somente aqueles de proteínas;
    • Não aceitar uma mudança de regra de jogo tão facilmente;
    • Melhorar a nossa produtividade interna;
    • Rever nossos controles, em especial o que foi pactuado X o que está sendo efetivamente entregue.

    Externa

    • Rever todos os cardápios;
    • Renegociar a gramagem servida;
    • Renegociar os preços – em especial para o componente “proteínas”;
    • Ocasionalmente práticas de preços em tabelas abertas;
    • Desenvolver novos produtos e fornecedores;
    • Implementar campanhas para reduzir o desperdício;
    • Negociar outros serviços de forma a promover o equilíbrio do contrato.
    O leque de alternativas é até razoável, o crítico é o tempo que levamos até esgotar ou finalizar uma negociação, diante da obrigatoriedade de continuar a servir.
    Para um segmento com grande representatividade no mercado e por assumir claramente uma ampla responsabilidade social, algumas ações ou pleitos devem ser implementados no curto prazo para suportar situações como essa.

    Hoje nossa visão como instituição é de:

    a) Ter mais previsibilidade sobre o comportamento dos custos de produção;
    b) Buscar contratos mais flexíveis, por exemplo, sempre que a inflação medida em um produto supere 3%;
    c) Nas diferentes reformas governamentais, buscar aumentar os benefícios para que aquelas empresas que fornecem alimentação a seus colaboradores;
    d) Redução dos impostos;
    e) E outros.

    FSN: Quais são as expectativas para este ano?

    RCV: A turbulência persiste… Os riscos, apesar de menores, são bem notados e continuam a nos abalar.
    Vejamos os fundamentos do aumento das proteínas no último trimestre de 2019 e veremos que muitos deles ainda estão bem presentes.

    Abate de fêmeas elevado, a reposição não atenderá a demanda necessária.
    Outros países não conseguem suprir a necessidade dos chineses, mantendo a dependência do abastecimento brasileiro.
    Historicamente, o 1º semestre é de baixa, como o que se repetiu em 2019, com segundo semestre mais aquecido. No entanto, o 1º semestre de 2020 irá manter os níveis atuais.
    Estão aumentando para o Brasil as plataformas de exportação.
    Guerra comercial dos EUA com a China ainda deverá perdurar.
    Frangos resfriados como alternativa também sendo exportados, tiveram expressiva elevação nos últimos 30 dias (Nov 2019) 15,4%, dos 16,1% dos últimos 12 meses, e devem continuar em alta para contrabalançarem os bovinos e suínos.
    Produção de suínos continua limitada, ciclo de produção demorado.
    Milho e farelo de soja que alimentam os rebanhos estão em alta e ainda não foram repassados ao preço da carne.
    Aumento do consumo mundial de carnes.
    Dólar em níveis de mais de R$4,10.

    Portanto, para 2020, deveremos conviver com esse resíduo, que são os preços nesse novo patamar, mas aquecidos e impactando os nossos negócios.
    Num rápido exercício, vamos considerar que a arroba do boi venha a oscilar em torno de R$200,00 para o primeiro trimestre de 2020, mas é bom lembrar que o preço da carne bovina puxa os demais. Nesse caso, o aumento em relação a outubro é da ordem de 25%, o que é considerado pesado para a nossa economia.

    FSN: Como continuar a manter os lucros em situações como essa?

    RCV: Enfatizamos que nossas habilidades como agentes da melhoria da produtividade de nossos clientes, dos índices de clima interno dentro das empresas clientes, da redução do absenteísmo, enfim muito no que diz respeito à saúde do brasileiro, somos creditados por isso.
    Esse reconhecimento da nossa interferência no mundo das organizações empresariais deve nos beneficiar no momento de realinhar preços.
    Por outro lado, as tendências mundiais estão em franca mudança, e os legumes assumem um papel mais importante na alimentação das pessoas, em substituição às carnes. Uma tendência que, no momento, torcemos para que chegue rapidamente, mas, nesse caso, o desafio será outro: teremos legumes para todos?

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