Em breve conversa com Alex Atala, pedimos licença ao chef e conversamos com o empreendedor
Você vai ler mais uma entrevista com Alex Atala. São inúmeros os perfis e entrevistas feitos com o chef e quase tudo já foi explorado. Seus livros, sua origem punk, suas receitas, sua fixação nos ingredientes brasileiros e sua chegada de paraquedas no mundo da gastronomia. No entanto, sobre o que vamos falar, Atala disse pouco. Em que o jeito irreverente do chef pode ajudar na administração de seus restaurantes e empreendimentos?
Com nome completo de Milad Alexandre Mack Atala, hoje com 41 anos, seu restaurante D.O.M, inaugurado em 1999, ficou na 24ª posição entre os 50 melhores do mundo, pelo prêmio S. Pellegrino World´s 50 Best Restaurants. A Casa Ótima e Máxima (tradução literal de domus optimus maximus) também já constou duas vezes na lista da Revista Magazine entre os melhores restaurantes. No Guia Quatro Rodas, não é mais novidade que seja citado, nem na Veja São Paulo..
Para completar, montou com o chef francês Alain Poletto o Dalva e Dito. Com 160 lugares e projeto de Marcelo Rosenbaum – que já trabalhou no quadro Lar Doce Lar do programa global Caldeirão do Huck –, a casa é um investimento ou um mimo de 6 milhões de reais. Aí, ainda que esteja em jogo a culinária brasileira, o projeto não é o da pesquisa de ingredientes brasileiros em si, aquilo que uma vez chamou de “cozinha patrimonial”.
O chef, para além de seu lado preservador da cozinha e das raízes brasileiras, afirma utilizar de todas as técnicas que possam auxiliar a preparação de pratos, principalmente em grandes eventos. Ele também acredita que a atividade do cozinheiro é permeada pelo amor, como disse em entrevista à revista Trip, edição 43. Talvez dessa mistura de fatores nasça a tríade Bases Clássicas, Resultado Moderno e Ingredientes Brasileiros, pela qual ele se guia.
No entanto, uma característica sobressalta aqui, como se perceberá nas respostas. Ele é direto, prático, não fica remoendo uma resposta. Por outro lado, por meio de suas respostas, nesta e em outras ocasiões em que pudemos ouvi-lo, a impressão que fica é que ele passa todo o tempo refletindo sobre as coisas que envolvem o seu dia a dia, tamanha destreza com que discute e passa por diversos temas.
Claro, Alex Atala ainda tem muito do punk que foi. A rapidez com que tem e lança ideias, uma inquietude com as coisas. No final, essa combinação de dom e irreverência caracteriza sua maneira de empreender, pois, para decidir muito e todos os dias, há que lançar-se.
FSN: Como surgiu a ideia do evento na Livraria Cultura, “Entre Estantes & Panelas – A gastronomia de pensar”? O que se pretende com ele?
Alex Atala: Foi uma ação não comercial. A proposta foi abrir um espaço
neutro para discussão sobre cozinha e cultura onde nenhum interesse econômico e nenhuma tendência prevaleça. Todos nós trabalhamos voluntariamente, sem nenhuma remuneração, sem nenhum interesse comercial ou editorial. A Livraria Cultura gentilmente cede o espaço e nós, eu, o sociólogo Carlos Alberto Dória e a jornalista Janaina Fidalgo, temos o objetivo de reforçar o quanto a alimentação, a cozinha e a gastronomia precisam de discussão e afecção para o próximo passo.
FSN: Além de dons na cozinha, você se destacou pelo empreendedorismo. Que habilidades o chef teve de assumir para se transformar no empresário?
Alex Atala: Ter prudência ao escolher pessoas, ter prudência de ouvir pessoas.
FSN: Você se ocupa diretamente da parte administrativa do D.O.M ou prefere ficar distante das notas fiscais e burocracias?
Alex Atala: Impossível essa função. Todo chef sabe que fundamental não é somente cozinhar, mas gerir uma equipe, recursos e cozinha. Isso faz parte não da minha vida, mas da de todos os chefs profissionais. A extensão disso é um empreendedorismo que acaba, por consequência, sendo natural.
FSN: Se sim, é inventivo como quando cozinha ou administrar um restaurante requer perfil mais conservador?
Alex Atala: 100% conservador.
FSN: Para comer bem, o ideal é termos conforto, ambiente adequado, mesa bem posta, atrativa e, de preferência, companhia agradável. Qual o papel da arquitetura e do design de interior na composição da identidade de seu restaurante?
Alex Atala: Acredito que o tripé cozinha, serviço e ambiente são, efetivamente, a grande moldura e a obrigação do chef restaurateur, já que a companhia é eleita pelo comensal.
FSN: Além disso, é necessário preocupar-se também com o atendimento. O que se faz no D.O.M para levar a sofisticação adotada na cozinha ao trato com o cliente?
Alex Atala: Este é um processo de aprendizado diário, treinamento da equipe e manter-se atualizado em função dos líderes de equipe.
FSN: O que deve ter em mente um chef que queira abrir um restaurante, considerando o mercado gastronômico atual?
Alex Atala: Baixos ganhos. Altos ganhos são consequência de um bom trabalho e, muitas vezes, demoram muitas etapas para chegar.
FSN: Quando vai criar uma nova receita, você se preocupa com o possível custo do prato?
Alex Atala: Sem dúvida, não só o custo do prato como a manutenção dele na cozinha. A genialidade de um prato de um chef não está só em criar, está em executar.
FSN: Uma curiosidade. Quando ficou claro para você que o tema principal das refeições que você preparava era o próprio Brasil?
Alex Atala: Desde que eu cheguei no Filomena, em 1994, aos poucos fui testando os sabores brasileiros e vendo a resposta do público a cada um dos pratos. E essa não foi uma resposta que nasceu em apenas um momento, ela foi se construindo nesses anos de trabalho.
FSN: Foi inevitável a associação do conceito que norteia seu trabalho – as raízes brasileiras – com os autores da primeira metade do século 20 que queriam desvendar as origens do Brasil em suas obras. Em analogia, poderíamos dizer que você faz uma gastronomia política?
Alex Atala: Não, eu acho que não seria exatamente isso. A ideia é: o maior elo entre a natureza e a cultura passa por dentro de uma cozinha e por cima de uma mesa. Na alimentação nós temos tudo, de todas as ciências humanas. Ou seja, a minha cozinha é muito mais conversa cultural do que política. Não só a minha cozinha, mas a minha pesquisa em relação a ela.
FSN: Falando nisso, qual a sua percepção deste ano da França no Brasil em relação à gastronomia?
Alex Atala: É uma participação muito importante, a França é a grande referência, é a pátria-mãe da alta cozinha. É importante para as relações Brasil-França, para o reconhecimento de quanto os chefs franceses foram importantes para o desenvolvimento da cozinha brasileira, quero registrar que é cada vez mais interessante essa participação. •
Dom restaurante
www.domrestaurante.com.br
10 mandamentos para executar uma receita
Do livro Escoffianas Brasileiras – Alex Atala e Carolina Chagas. Editora Larousse, São Paulo, 2008.
1. Antes de começar a fazer qualquer coisa, leia a receita inteira. E, se possível, mais de uma vez.
2. Confira se os equipamentos que você tem são compatíveis para a execução da receita e para o número de convidados que você pretende servir naquela data.
3. Escolha ingredientes de altíssima qualidade.
4. Se você pretende alcançar resultados altos, exercite a receita algumas vezes antes de torná-la pública.
5. A louça e a apresentação de um prato são muito importantes, mas o fundamental é o sabor.
6. Compreenda bem a receita e execute os passos possíveis com antecedência. Ou seja, não deixe para picar os legumes quando começar a fritar a carne. Tenha método e seja organizado.
7. Quando estiver preparando a receita, esteja inteiramente na cozinha, não divida sua atenção com televisão, música, telefone.
8. Muito cuidado com a substituição de ingredientes, ainda que sejam simples ervas. Antes de chegar à sua mão, aquela receita foi pensada e testada à exaustão. Sucedâneos podem gerar frustração.
9. Quem cozinha é o fogo/temperatura, não a sua mão. Contenha a ansiedade e nunca mexa demais um ingrediente ou uma panela se a receita não pedir.
10. Trabalhe sempre com fogo moderado, podendo aumentar ou diminuir a temperatura durante qualquer momento do cozimento se a receita assim pedir.