Trufa diamantes da cozinha

    De fungos que são farejados como tesouro por perdigueiros a porcos tratados com requinte, iguarias culinárias valem ouro

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    Você já ouviu a expressão “isso vale ouro”? Pois é, na maioria dos casos a frase se aplica para alguma coisa que cai no nosso gosto, não importando o seu valor comercial. Mas, em algumas situações, ela se aplica ao pé da letra. Quando falamos de certos produtos, valer ouro é a mais pura verdade.

    Assim como qualquer categoria, a alimentação também tem sua lista luxuosa e com cifras bem acima do que as pessoas estão acostumadas a pagar. Com crise ou não, há – e muito – mercado para esse tipo de alimento. Seja para aquele público que jamais dispensa uma comida cara ou para quem quer ter o privilégio, pelo menos uma vez na vida, de ter a sensação de ser da realeza com itens e confecções requintadas à mesa.

    Há muitos produtos caros no mundo, mas existem alguns que não saem de moda e estão na lista há tempos. É o caso de alimentos como trufas brancas e o presunto pata negra. Aliás, quando falamos desses produtos, estamos falando da alta gastronomia, mas o campo não é limitado apenas a restaurantes. Muitas pessoas buscam esses itens para tê-los em suas casas e consumir o que de mais caro o universo alimentício proporciona.

    Lalo Zanini, proprietário da Tartuferia San Paolo, um empório que há dois anos movimenta a Alameda Lorena, no Jardim Paulista, zona Oeste de São Paulo, aposta nessa ideia.
    “Tenho um empório com 40 produtos como azeite, balsâmico e para me diferenciar no mercado, desenvolvi a primeira linha de trufa brasileira”, diz o famoso empresário brasileiro da área gastronômica, que além de servir os clássicos com trufas brancas europeias em seus pratos, também oferece variáveis que podem ser levadas para casa. “Eu tenho brigadeiro, geleia de pimenta, molhos e sorvetes. Tudo com trufa”, conta Zanini.

    Tesouro

    Nativa da Europa, a trufa é um fungo que nasce espontaneamente aos pés de árvores como o carvalho e castanheiro, localizados, principalmente, na Itália. Não há, portanto, plantações de trufas espalhadas pela Europa ou em qualquer outro canto do mundo. Seu surgimento ocorre naturalmente.

    O que torna esse produto ainda mais peculiar é o fato de suas características como cor, perfume e sabor, serem determinadas pela árvore junto a qual ele se desenvolveu.
    Antigamente, porcos eram usados para encontrar as iguarias. Mas, como os gulosos suínos se aproveitavam para comer as iguarias, acabaram substituídos por cães, mais ágeis e menos famintos. Estes, são treinados desde filhotes para reconhecer o cheiro desse fungo à distância.

    “Existe a trufa negra e a branca. Mas a branca é a mais rara porque nasce apenas de outubro a dezembro. Por isso também é a mais cara do mundo, podendo custar de seis a oito mil euros (cerca de R$ 20 mil a R$ 27 mil) o quilo, enquanto a negra vale mil (R$ 3,4 mil) o quilo. Só para se ter uma noção, quando laminada, você come de seis a oito gramas por prato. Normalmente ela é usada quase que, exclusivamente, crua e laminada de maneira bem fina por cima do prato”, explica Lalo, que passou mais de dez anos estudando e se especializando em trufas antes de entrar no ramo.

    Estes anos de pesquisa, aliás, estão rendendo muitos frutos para o empresário, que já criou uma nova visão para o produto, criando receitas com a iguaria. “O que eu faço aqui é um case mundial. Foram anos de estudos e a fórmula é um segredo. Não tem algo assim nem na Itália, lugar de onde 85% das trufas vêm”, assegura.

    Mercado

    Apesar de ser um produto raro, exótico e caro, a trufa é muito bem aceita no mercado. Com uma grande variedade, os clientes buscam provar os pratos clássicos e levar algo para casa.

    “Vendo muito azeite italiano e alho negro com trufa, que é um molho que eu criei. Além disso, vendo food service em grande quantidade também. Os restaurantes buscam muito a trufa ‘in natura’ e produtos que tenham ela”, compartilha Zanini, que tem 180 pontos de vendas em todo o Brasil com apenas dois anos de casa.

    O segredo? Ele dá umas dicas. “Acho que tudo é questão de posicionamento. A trufa é o topo da terra para quem trabalha com gastronomia. Meu grande desafio foi me desapegar do que acontece no mundo em relação à trufa. Eu não queria passar a imagem de que ela é uma comida elitizada e poucos podem comê-la. Estudei para inseri-la de outras maneiras como em um pão de queijo, brigadeiro ou na finalização de um prato. Eu consegui redesenhar um cenário para a trufa. Ela foi viabilizada a todos porque sou dez vezes mais barato que o mercado, inclusive que o italiano. Tenho duas lojas com 40 lugares e um faturamento de gente grande, com 30% de crescimento ao mês”, fala.

    Passado de ouro

    Apesar de muitos anos terem se passado desde o seu descobrimento, a trufa continua sendo muito desejada e rara atualmente. Estudos indicam que ela era consumida no período do Império Romano (de 27 a.C. a 1453), só que mais de forma afrodisíaca do que como uma iguaria da alta gastronomia. Até hoje, as cidades italianas de Alba, na região do Piemonte, e San Miniato, na Toscana, são as mais famosas por suas trufas brancas.

    Trufa não é trufa

    Para muita gente, quando se fala em trufa, a primeira coisa que vem à mente são bombons de chocolate recheados. Apesar do mesmo nome, a trufa de chocolate não tem absolutamente nenhuma relação com a trufa fungo, a não ser o próprio nome.

    O doce feito de chocolate recebeu esse nome quando, no século 19, um chef austríaco cometeu um erro em sua receita ao preparar um banquete a um príncipe da Rússia. Ao invés de preparar um bombom redondinho, o austríaco não conseguiu nada além de um doce desuniforme, bem semelhante ao formato e aparência do raro fungo. Além disso, o chocolate em pó que envolve o doce também lembra muito a terra que existe na trufa negra quando esta é encontrada subterraneamente.

    A outra similaridade, pelo menos para os chefs, é que ambos os itens são considerados iguarias finas da gastronomia. Enquanto uma é “o diamante da cozinha”, a outra é o ouro negro da chocolataria – por isso também costuma ser um pouco mais cara que outro doce qualquer.

    Pata Negra

    Também com origem na Europa, outro produto especial e que está na lista dos alimentos mais caros do mundo é o presunto pata negra. É na região do sudoeste da Espanha que a maior parte da produção de um dos melhores presuntos crus do mundo se encontra. A iguaria pode ser encontrada ainda em Salamanca, Andaluzia, Huelva e nas regiões de Castela e Leão. O item, se comparado a outros embutidos, ganha disparado se diferenciando por seu sabor único.

    Produzido a partir do porco preto ibérico, que se diferencia na espécie por seu pelo arrepiado e pés pretos, seu método de criação é cheio de regras para que o jamón ibérico (seu nome oficial) saia como todos esperam. Por esse motivo, seu preço é valorizado no mercado.

    Cura

    O produto, que tem em seu sabor um toque suave e adocicado, é feito do pernil traseiro do porco ibérico. Aliás, é o sabor que vai denunciar como esse porco foi tratado e de que forma ele se alimentou. Além de criados de forma livre no pasto, eles têm uma alimentação especial à base de frutos semelhantes à castanha de avelã, chamados de bolotas e que caem das azinheiras (árvores que podem chegar a 10m de altura).

    Todas as etapas são importantes para se obter um excelente pata negra. Desde o modo como os porcos são criados, a base alimentar fornecida a eles, o método de abate, o tempo de cura natural (desidratação com sal por tempo específico) e o modo como é servido. Tudo isso é feito de forma bem tradicional e respeitando a rigidez histórica. O tempo de cura, por exemplo, vai variar de acordo com o resultado que se deseja. É nesse processo que o presunto ganha as características de um digno jamón pata negra.

    “O processo de cura é bem trabalhoso e a remoção do pernil é feita em um ambiente climatizado com temperaturas pré-determinadas. Além disso, a produção do pata negra passa toda por um rígido controle de qualidade em que, principalmente, aroma e coloração são avaliados antes do item ser destinado ao comércio. Quanto mais tempo a cura durar, mais controlada a peça será”, explica Daniela Rodrigues, técnica em processamento de alimentos da Empório Pata Negra, loja online especializada no produto.

    Custo

    O alto preço final com que o pata negra chega ao mercado, claro, é justificado pelo difícil processo de obtenção do produto, já que todas as etapas demandam bastante tempo.
    “Os preços no mercado variam bastante. Temos peças de um quilo a R$ 150 até as de jamón ibérico curadas por cinco anos que saem por R$ 4.500. O que faz o preço variar também é se a peça vem com osso ou sem e seu processo de cura”, conta Daniela.

    Segundo ela, apesar do alto preço, o Brasil é um ótimo consumidor de pata negra devido também à herança espanhola que o país conserva. “Acredito que o produto foi muito difundido pelos espanhóis que vieram para cá no passado. Como muitos descendentes ficaram em terras brasileiras, o pata negra continuou sendo lembrado, mesmo que seja para ser consumido em festas ou eventos. É um produto que se destina mais às classes de maior poder aquisitivo e todo ano temos uma venda muito boa”, fala.

    Parma

    Assim como muitos alimentos, o jamón ibérico também pode ser confundido com seus similares por pessoas leigas no assunto. Muita gente acredita que ele e o presunto parma são a mesma coisa, porém, há muitas diferenças.

    Apesar de feitos através do pernil traseiro do porco, o jamón ibérico original é obtido com abate de porcos negros ibéricos, os patas negras, que são uma mistura de porco com javali. Já o presunto parma, além de vir da Itália e não da Espanha, é originário do porco branco.

    Quanto ao corte, o espanhol deve ser fatiado com uma faca e tem uma cor avermelhada mais escura, enquanto que o italiano deve ser cortado na máquina e apresenta uma cor rosada.
    A alimentação do animal é outro fator que os diferencia e, consequentemente, transforma o sabor dos presuntos. Basicamente, o porco negro é mantido apenas com bolotas, o que dá a ele um sabor mais doce, e o porco branco tem uma base alimentar composta de milho, soro do leite e cevada.

    “Algumas pessoas confundem os dois presuntos, mas eles são bem diferentes no sabor, nos detalhes e nas características. Se você prová-los, em uma próxima vez já saberá identificar qual é o presunto parma e qual é o jamón ibérico”, assegura a técnica em processamento de alimentos do Empório Pata Negra.

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